"Onde se desliga? Onde é, que eu procuro e não acho? Não quero gente e não quero estar só. Não quero e quero. Quero e odeio. E esmago com as mãos. E magoo. Sangro, mas não há sangue. Onde se desliga que eu procuro, procuro, corro e revolvo o mundo? Já escavei com as minhas mãos quatro vezes o jardim e não encontro. Não há tesouro. Há loucura. Há uma tremura nas pernas e um formigueiro nos braços. A cabeça é um pêndulo de relógio. Onde se desliga? Esperar que acabe a pilha? E se eu não tiver tempo? Estás a dizer que o tempo para quando a pilha acabar? Eu devia ser um relógio de corda.
Onde se desliga? É triste formular e responder às minhas questões, como se eu as soubesse resolver. Está tudo no jardim, eu sei. Mas estou a escavar tudo outra vez e já não tenho mãos que aguentem… nem pernas que me segurem. Não encontro nada. Não sei onde desliga. E agora como faço? Já não há mais jardim para revolver. Daqui a pouco vão bater as horas… eu não suporto quando as horas batem… a cada uma, o pêndulo dá uma volta no meu pescoço. Está frio. Onde desliga? Alguém sabe onde desliga? Sabes? Sabes tu que sou eu onde desliga? Há grãos de areia maiores do que a minha alma e eu não sabia. Eu devia ser um relógio de corda. E depois pedia ao dia para a noite não me dar corda. Sem corda não havia tempo. Já viste como seria não sentir o corpo pesado a afundar-se no jardim?
Isto já não é um jardim. É uma trincheira. De um lado da barricada eu, do outro eu. E eu a meio a levar com os estilhaços. Onde se desliga? Se ao menos viesse a noite e eu sem corda. Aposto que dormiria… e que alguém iria compor o jardim. Vou a escrever no comboio e os meus dedos são dispositivos desajeitados que se cansam por juntar as letras. Eles sem corda… quase defuntos do cansaço. É difícil alimentar todo o corpo para que se comporte bem. Se ao menos eu encontrasse o onde se desliga. Pobre jardim… lembras-te de como era bonito? Maldita neve de verão… e maldita esta procura que me obrigou a escavar todo o jardim três vezes… ou quatro? Cinco? Já não sei, tenho as mãos tão cansadas que até as unhas me moem a alma. Tenho uma mão cheia de poeira que é maior do que a minha alma. Onde se desliga. Daqui a pouco o computador sem bateria e eu ainda com corda.
Onde se desliga?
Quando acaba?
Não sou eu que sou louca, sabias? É a vida que me põe às voltas neste ópio. Tu sabes, porque tu eu e tu estas mãos cansadas de escavar à procura. É só mais um pequenino. Um copo de água e já está. Voa garganta abaixo e a corda acaba. E nesse rodopio narcótico já não há trincheira, há o jardim e há o botão."
Até amanhã, alma daninha.