Parafraseando o título de um texto de Henrique Manuel, “Feliz de quem tem um amor.” É, provavelmente, uma expressão que já todos ouvimos, e que às vezes achamos descabido porque nem sempre vemos realmente o modo como “essa coisa” se vai intrometendo nas pequenas coisas que fazemos. “Feliz de quem tem um amor” é o mote. Poderíamos, a partir daqui, escrever uma infinidade de voltas que formariam a lírica do que somos.
Felizes, ainda que por um amor escondido, por um amor de perdição, pela persuasão de uma eternidade de espera, pelas memórias do que somos, pela amizade que nos vai abrindo portas. Felizes sim. Ainda que na maioria das vezes tal pareça impossível. Ainda que de uma forma apática e sofrida, moradora na melancolia da alma que às vezes insiste em querer dormir para não olhar.
Não digo que, às vezes, o céu parece mesmo pintado de negro, daquele negro pegajoso que se cola na retina e não nos deixa ver mais cores. Mas já houve dias desses em que só soube o estado do céu porque mo disseram. Basta haver um dia assim em que saímos à rua e achamos que a nossa rua é o sítio mais bonito do mundo para que tudo valha a pena. Para esperar que a eternidade se renove e que todos os dias sejam assim. Basta um minuto para se ser feliz uma eternidade. Há recursos coloridos inesgotáveis em abraços, em sorrisos, em esperas de esperança.
Feliz de quem tem um amor, ainda que platónico, impossível ou censurável, porque é a partir dele que se constrói muito do que somos. Se não houvesse um qualquer motor no nosso cerne de que nos servia levantar todos os dias? De quê? Há um pedacinho de amor que pomos em cada gesto, com vontade de mostrar tudo o que nos enche e nos é devolvido como um espelho de olhos.
Quem nunca olhou para uma pedra ou uma flor, ou mesmo para o céu e não se sentiu perdido num infinito de recortes maiores que nós? É complicada de exprimir esta ideia de realização pessoal em algo tão nosso, tao intrapessoal, tão vincado no nosso rosto.
Até pode ser fora do tempo, secreto ou surreal. Feliz de quem o tem.