Hoje achei que o mundo era um sítio bonito. Poderia até já ter chegado a essa conclusão antes, mas não há tempo para perder e o mundo é um grande relógio com grande ponteiros assassinos. Num tempo cronometrado de uma viagem de comboio vi que o mundo era um sitio bonito. Não costuma haver tempo, mas hoje tirei aquela hora do meu dia para olhar para o céu. Mas olhar com olhos de ver, não o olhar diário para ver se é de chuva ou de sol a previsão. Durante uma hora estive a olhar para o céu. A vê-lo passar na rapidez dos carris, no estatismo das paragens, na minha mente vazia, cheia dos meus pensamentos. E ao olhar o céu só me lembrava de uma frase: “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer.” É da avó do Saramago e ele partilhou-a no seu livro Pequenas Memórias connosco.
Na viagem de comboio a a olhar para o céu, vi os meus olhos, também, reflectidos no vidro. Lembrei-me da viagem de sexta. Um miúdo que se veio encostar a mim para poder ver a linha
“Estás triste?”
“Não meu amor, estou só cansada.”
E que mais não é o cansaço do que a tristeza de não aguentar a cruz de todos os dias? Ninguém pede ajuda directamente. Enviamos “um sinal desse” estado vazio de sentido, na esperança que crianças
“Estás triste?”
“Sim, estou triste porque o cansaço começa a pesar muito e eu que devia aguentar o mundo, não sei se aguento com a minha mala. Estou triste por não poder ser como tu: ter uma bata da escola e a esperança que o mundo é um sitio bonito a tempo inteiro; sentar no colo de alguém de cada vez que o fim do dia chega. Sim, meu amor, estou triste de tanto estar cansada. É só isso, Olhos Vivos, triste de tanto cansar. Tu gostas de olhar para a linha porque sentes a adrenalina do comboio a deslizar nos carris, nessa novidade extasiante. Eu olho para a linha para lá ver a minha vida a passar. Depressa, depressa...devagar.”
Acordem-me quando o mundo não for um sitio bonito só durante uma hora, quando o mundo fizer sentido a tempo inteiro. Eu gostava de morrer num dia desses. Em que o céu fosse bonito durante uma hora para alguém. Todos procuramos o sentido. Já alguém o encontrou?