Segunda-feira, 27 de Dezembro de 2010

Sibila est

"Eis Germa, que, embalando-se na velha rocking-chair, pensa e pressente, sabendo-se actual relicário desse terrível, extenuante legado de aspiração humana. Nas suas veias, estão todos os infinitos estados do passado, no seu cérebro condensaram-se muitas e muitas experiências que não viveu, as negações e afirmações ocupam vastos espaços da sua alma. Ela move-se ritmicamente, baloiçando-se naquela sala onde se recolhem em pilhas as maçãs; todo o ar rescende a maçã que suga a própria pele e a frescura e dela dessangra o suco que acrescentará a reserva da polpa viva, ainda, por todo o Inverno.

 

(...)

 

Talvez ela fique de facto imóvel no seu constante, lento ou vertiginoso baloiçar, na casa que fortuitamente habita, e a sua história fique hermeticamente fechada no círculo de aspirações que não conseguiu detalhar e cumprir, porque aconteceu ser cedo ou ser tarde, porque não se compreende ou não se crê o bastante, porque se deseja demasiado e isto é todo o destino, porque... porque..."

 

in A Sibila, Agustina Bessa-Luís

 

 

 

ipsa ego est

música: Reflexos - Movimento Circular - Bernardo Sassetti
publicado por MB às 22:56
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Sábado, 6 de Novembro de 2010

Hipotermia (II)

Hoje não. Estou mesmo cansada. Não venhas hoje com os teus problemas. Hoje não. Deixa-me encostar a cabeça e enroscar-me na cama, que hoje choveu um bocadinho. Há dias em que me esqueço do guarda-chuva. Molhei o cabelo, estou com frio. Não venhas puxar a minha manta para cobrir os teus problemas. E não finjas esse calor de bruma. Olha que eu não acredito. Hoje não acredito em ti.

 

Choveram cartas. E recados perdidos; encontrei-os, não sei onde, mas deve ter sido onde os deixaste. Uma brecha na perda ou na pedra? Sai da minha cabeça, sai da minha cama. Hoje não, não tenho manta. Não tenho tempo e não tenho vida para ti, nem para ninguém. Tenho para mim e é escassa. Quero tempo para ler as coisas para as quais quero ter tempo e depois, quero ter tempo para não ter tempo. Mas isso, só depois, só muito depois do tempo. Quero ter tempo e ter a mão para escrever, não os teus problemas, não o possessivo da segunda pessoa, singular, não o teu possessivo de intermitências. Quero ter o tempo daquele pretérito imperfeito. Fotografias de pôr-de-sol (ou uma mentira que o valha) são sépias desbotadas, onde o sangue escorreu para o fundo da gaveta. A madeira absorveu e já não há provas. Pelo menos deixaste de ser mentiroso.

 

(A língua portuguesa irrita-me nesta dimensão de atribuir um género ao tu. E se eu estiver cansada de uma ela? Ou de um ele e de uma ela? E se forem tantos que já não sei contar nem definir? Se for um híbrido? E hoje não quero escolher um alvo, vou atirar em todas as direcções.)

 

Hoje quero a manta só para mim. Estive muitas noites ao frio. Hoje não venhas. E só te digo isto porque sei que não vens. O teu calor faz-te cego ao meu frio. 

música: Laços - Toranja
publicado por MB às 23:59
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Segunda-feira, 11 de Outubro de 2010

Quarto de Pandora

Uma noite para esquecer, para não mais lembrar, para esconder nas pregas das rugas da memória. Uma mão que devagarinho nos sobe o peito e nos aperta a garganta em subtilezas sôfregas de vingança. Uma noite para esquecer que se dormiu. Há dias que deviam passar sem as noites do interregno régio da escuridão. Uma febre de calores polares e de frios tropicais de topos montanhosos. Verdadeiramente uma noite para esquecer. Uma noite que não existiu, pronto, passou, já nem me lembro do que falava. Uma noite? Qual noite? Qual febre?

Podia ter escrito um ensaio filosófico sobre a essência das coisas ou sobre a importância do meu almofadão encostado à varanda do meu quarto. É um cantinho delicioso de se degustar. Mas febril no papel, mas febril nos intrépidos olhos que me espreitam da rua. Podia ter escrito uma dúzia de linhas de rajada e depois nenhuma delas arriscar compreender. Não é mesmo isso entender as coisas? Iluminar a alma num lampejo intermitente e triste e depois abandonar a sabedoria como se nunca lhe houvéssemos tocado numa carícia?

Maldita noite que me atravessou o corpo e me atirou para a cama com lençóis de amarras de suores e pesadelos. Mão febril, a da noite. Uma noite para esquecer. Para não mais ser falada ou copiada em protestos rancorosos de lucidez.

A febre é como os fantasmas. E não arrisco continuar na comparação. Que seja uma metáfora mal construída e cada um a perceba como quiser. A minha cabeça hoje não é senhora de si para pensar. Pior mesmo quando a febre nos traz ao quarto os fantasmas que guardamos numa caixa de pandora debaixo da cama de um outro quarto que ficou para trás. Fechado, muito fechadinho e lacrado, lacrado para que toda a força do mundo o não pudesse abrir. Maldita noite de febre que me assomou o corpo. Maldita sensação de corpo que abandona a vontade da alma. Maldita noite de maldita febre e malditas dores.

Sono, muito sono. Ou, como diria Mário de Sá-Carneiro,

 

“Castelos desmantelados,

Leões alados sem juba.”

música: Espaço Impossível- Tiago Bettencourt
publicado por MB às 12:22
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Terça-feira, 5 de Outubro de 2010

António

 

 

 

Ao meu Grande Eusébio

música: António - Rodrigo Leão
publicado por MB às 17:53
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Sexta-feira, 1 de Outubro de 2010

Quiet Nights of Quiet Stars

Um cantinho, um violão,
Este amor, uma canção,
Pra fazer feliz a quem se ama.

 

(...)

 

Quero a vida sempre assim,
Com você perto de mim,
Até o apagar da velha chama.

 

 

 

 

 

 

 

One, My Funny Valentine

música: Corcovado - Tom Jobim
publicado por MB às 10:52
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Segunda-feira, 23 de Agosto de 2010

Catarse

  Ainda há pessoas insubstituíveis. Pessoas que nos fazem mais falta do que nós a nós mesmos. E não há catarse. Não há catarse que nos seja suficiente. E é aí que nos apercebemos, mesmo aí pelo meio do passar dos dias e dos anos, mesmo entre o sofá e a parede, que ainda há pessoas que por serem insubstituíveis nos fazem mais falta do nós a nós próprios.

 

It's never over

 

Há cheiros que hão-de ser sempre iguais e que hão-de ser insubstituíveis. Há gente de quem já começo a esquecer a voz, de quem já não me lembro de saber todos os traços e sulcos das mãos, de quem já não me lembro dos olhos, nem das rugas de quando riam. Mas, de cada vez que o cheiro dessas pessoas me toca, de cada vez que o cheiro se cruza comigo, como se me abraçasse, me envolvesse, como se me desse um beijo nas pálpebras... Há cheiros que atravessam as dimensões da vida e da morte e que não se substituem. Há cheiros que se guardam com precisões prodigiosas na nossa pele.

 

It's never over

 

Há dias que não sabem ser catárticos, por mais vezes que os anos lhes passem. E por mais que cresçamos, diminuindo num arrufo de alien perdido.

 

Há salas que deviam ser fechadas e não mais visitadas.

 

 

Por mais que saibamos que acabou.

 

publicado por MB às 22:24
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Domingo, 8 de Agosto de 2010

RP sem Croquetes!

Hoje é um dia muito importante para todos os profissionais da Comunicação Estratégica. O primeiro blog nacional sobre a área das Relações Públicas comemora 5 anos.

 

Um especial agradecimento a Renato Póvoas que possibilitou a abertura de muitos horizontes.

 

E à minha querida amiga e companheira de luta, Ana Cunha, co-autora do texto que hoje é postado no blog Relações Públicas sem Croquete, um beijo repenicado.

 

 

A vida é como diria Renato Póvoas:

 

"Sonhar. Inovar. Não ter medo de fracassar."

publicado por MB às 20:18
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Quarta-feira, 4 de Agosto de 2010

Por una Cabeza

Não gosto de almoçar sozinha, nem de jantar. Mas tomar café é uma morte. Uma das muitas, segundo João de Melo, o homem da gente feliz com lágrimas. Não gosto de estar sozinha, nem quando digo que gosto ou que preciso.

 

Instaurei, então, como ritual destes dias, para além de ouvir os sinos da sé, tocando de quinze em quinze minutos, o café n'A Brasileira. Povoado de gente. De gente de muitas gentes. Chego pela mesma hora, sento-me na mesma mesa, ao lado dos senhores que lêem sempre o mesmo jornal. É agosto na cidade bimilenar dos turistas. Com as portas abertas, a brisa refresca a alma, já que o corpo não pode.

 

Um expresso comprido, não é menina?

 

Ao menos não me trata por senhora.

 

E um copo de água

 

para ajudar a passar o tempo. Este é o único café que consigo beber sozinha, sem deixar a chávena a meio. O sabor compensa a amargura da cadeira vazia. Anda jazz a voar pelo ar com as pombas e eu só me lembro do tango.

 

Como ficaria o just the way you are pelo Carlos Gardel?

 

Ando com este senhor às voltas na cabeça graças ao António Lobo Antunes (este também merece maiúsculas e acentos).

 

Daqui a pouco volta a tocar o sino da sé. O tempo passa de quinze em quinze minutos em braga.

 

Tenho que escrever uma carta de apresentação e não sei por onde começar. Ao meu lado uns senhores falam do mar da palha e da expo 98. Um casal francês levanta-se e há uma pomba que entra por uma das portas abertas. Estou sozinha com o meu moleskine a escrever cartas a ninguém.

 

Ainda bem que o d'A Brasileira é o único que consigo beber sozinha.

 

Um dia danço lá um tango com sabor a café.

música: Por una cabeza - Carlos Gardel
publicado por MB às 17:54
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Sábado, 31 de Julho de 2010

Imortal

Noutro dia, andei a revisitar os meus visitados momentos neste blog. E atei um nó na garganta. Não percebi se queria voltar às memórias ou guardá-las. Ou apagá-las. Ou fazer de conta que ainda por lá andava, naquele tempo onde as coisas eram realmente fáceis e eu não sabia. Não que agora saiba tudo, mas sei mais. Lembro-me do conceito de cicatrizes de um amigo longínquo. Hão-de sarar um dia. Como tudo.

 

Tive saudades. Tenho saudades. E é com os olhos em mar que não sei o que escrever para tentar fazer honra à efeméride de hoje.

 

António Eusébio, o meu tio, meu amigo e exemplo de vida nasceu a 31 de Julho. E é imortal. 

música: Yesterday - The Beatles
publicado por MB às 00:35
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Sábado, 24 de Julho de 2010

porta

 

 

 

 

 

 

 

diz se é perigoso a gente ser feliz

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por MB às 23:25
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